Caso de plágio na ciência brasileira

Recebi uma reportagem (aqui) para um caso de fraude na ciência brasileira que me chamou a atenção devido a diferentes aspectos. Um caso de fraude é extremamente grave por si só, mas o caso ao qual me refiro revela alguns problemas de fundo que são tão graves quanto o delito cometido.

De acordo com a reportagem, Denis Lima Guerra fraudou resultados de 11 estudos. Além do caso de "serial cheater" na ciência ser assustador, outras coisas me deixaram de cabelo em pé. Ao que parece, os coautores não tiveram conhecimento da "manipulação" dos resultados. Como assim? Eles não eram coautores? Porém, a própria reportagem esclarece alguns fatos:

"É comum que orientadores assinem artigos com os alunos. Eles atuam muitas vezes como fiadores do trabalho de seus orientandos, abrindo-lhes as portas de congressos e revistas científicas no começo da carreira."

Um dos coautores era um antigo orientador de Denis Guerra. A prática de colocar o nome do orientador (mesmo que este tenha participação nula no artigo) é corrente na área de exatas e tecnologia (mas pelo visto, não nas humanidades),  mas o que mais me impressiona é que o ex-orientador, Claudio Airoldi, afirmou "Tenho plena certeza de que não participei dessa fraude". Como assim!? Na hora de receber os méritos ele é coautor e o artigo entra no seu currículo, mas na hora de segurar a batata quente ele não participou da fraude? Se ele afirma que não tinha conhecimento da manipulação de resultados, eu acredito. Mas que ele fez parte, isso ele fez, no mínimo por negligência. Ainda tocando nesse ponto, de acordo com a reportagem

"O paulista Airoldi, por seu lado, confirmou que os trabalhos não passaram por ele. “Esses artigos eu nem li”, declarou. “Guerra fez e mandou, e quando vi já estavam publicados.” Não consta, no entanto, que o professor da Unicamp tenha contestado os resultados junto ao ex-aluno ou à Elsevier. Até a invalidação dos trabalhos pela editora, os textos apareciam citados entre as publicações de seu currículo. Mesmo que Airoldi tenha sido vítima da má-fé de um ex-aluno, o episódio deixa no ar a dúvida sobre se ele pode ter sido descuidado em outros trabalhos."

Como assim, ele nem leu os trabalhos? Francamente, se é assim que a ciência é feita (e infelizmente é assim), estamos perdidos. Ou seja, acho que estamos perdidos...

Eu acho que a prática de coautoria por cortesia, ou ainda a coautoria nepotística (aquela em que o orientador entra no artigo, mas sem ter feito absolutamente nada --- não revisou o artigo, não participou de nenhuma etapa da pesquisa, não sabe de nada que está acontecendo), deveriam ser banidas por diferentes aspectos (talvez eu discuta esses pontos em outro post). Porém, se na atual maneira de se fazer ciência essas práticas sejam aceitas, então  que as consequências a elas associadas também sejam divididas entre TODOS os autores.

Ainda citando uma parte da reportagem, mas agora se referindo a outra pessoa (não o Denis Guerra), "Nos corredores da ufrj, não é difícil encontrar quem insinue que um dos mais citados pesquisadores do país deve muitas das suas centenas de publicações a um escambo pouco enaltecedor: cede o uso de seu requisitado laboratório em troca de figurar entre os autores do trabalho."

Agora me pergunto: no caso de uma fraude científica relacionada a um desses artigos mencionados no parágrafo anterior, imagino que o "dono" do laboratório vai tirar o dele da reta, mas na hora de entrar no bonde da publicação ele não vê problema nenhum em ser considerado "coautor".  Dois pesos, duas medidas.

Tudo isso me desanima, mas o pior é quando escuto colegas justificando essa prática com argumentos os mais estapafúrdios possíveis, como: "mas se o nome do fulano não entrar o artigo não vai passar", "se você não colocar o nome dele você vai ficar queimado", etc. Agora eu me pergunto, quando a bomba estourar, o coautor fantasma (ou Gasparzinho, o amiguinho camarada) vai ajudar a segurar a bomba? Claro, se o verdadeiro autor fizer um trabalho honesto e decente, não vai ter bomba pra estourar. O problema é que, em minha opinião, coautorias de cortesia e nepotística por si só já constituem um princípio de fraude ou, no mínimo, desonestidade intelectual.


Comentários

Rogerio Richa disse…
Meu comentario esta sob a forma de post! Check my blog...
carlinha disse…
Excelente post. Tanto o teu como o do Roger.. Essa "politica" de cortesias vem se perpetuando sem questionamentos e a maquina de fazer artigos soh diminui a qualidade geral da produção cientifica, mesmo nos mais prestigiados meios... Quem sai ganhando com isso?

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