A inflação das publicações científicas

Lembro-me de quando estava lendo "The selfish gene", de Richard Dawkins, e me deparei com uma nota interessante. Ele dizia que estava impressionado com o número de orientadores que apareciam como co-autores de artigos científicos pelo simples fato de terem realizado um trabalho editorial no artigo, ou seja, eles revisaram o artigo, mas não contribuiram para a sua redação. E isso foi na década de 70!

Eu achava que isso já era lugar-comum em todas as áreas, até quando me deparei com colegas da sociologia, literatura, etc, e eles me disseram que eles escrevem vários artigos sem colocar o nome dos orientadores. Eles só o fazem se os orientadores realmente tiverem participado da redação. Fiquei chocado.

Meu choque não foi porque eu discordo, mas justamente pelo contrário. Mais especificamente, acho que o que acontece hoje na área de tecnologia/exatas é um fenômeno perverso decorrente da pressão  por busca de financiamentos --- o sucesso da obtenção destes sendo altamente correlacionado com o número de publicações do requerente. A consequência disto não poderia ser outra: o orientador sempre tem seu nome incluído nas publicações dos seus orientados, mesmo que em muitos casos ele não tenha lido um único parágrafo do artigo escrito.

Mas a história não para por aí. Muitas vezes um pesquisador tem seu nome incluído em um artigo para dar "peso" ao mesmo, ou então porque ele emprestou um equipamento, ou ainda o seu orientado participou da redação do artigo de um colega doutorando/mestrando. Não bastasse este último cenário ser particularmente surreal, hoje em dia é considerado mais do que "óbvio" que o nome do orientador entre de tabela simplemente porque seu orientado tenha participado da redação do artigo alheio, ainda que o seu orientado tenha realizado o trabalho em suas horas vagas e que o trabalho não tenha nada a ver com a linha de pesquisa do seu orientador.

O resultado não podia ser outro: inflação das publicações científicas. Como todo mundo passa a ter mais publicações, para conseguir um financiamento (ou qualquer coisa equivalente, e.g. bolsa de produtividade em pesquisa, etc), o pesquisador tem que ter ainda mais publicações que os concorrentes, logo seu nome vai acabar entrando de tabela em mais publicações, o número de publicações necessário para ser considerado um pesquisador de alta produtividade vai ser ainda maior, e assim por diante, num ciclo vicioso e perverso.

Será que tem como esse cenário mudar? Enquanto ainda reflito sobre o assunto, vai aí uma tira do PhD comics:

Comentários

Antônio Padilha disse…
Não é mole mesmo, né? Concordo bastante com tudo. Me comprometo a defender a postura, surtout como professor, e tb a valorizar outras formas de divulgação do trabalho e promoção da ciência. Mas o caminho é longo, né? Se ao menos algumas comunidades individualmente começarem a mudar, ja sera uma vitoria.

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